"O irônico é uma vampira que sugou o sangue de seu amante e o abanou com frescor, o embalou até dormir e o atormenta com sonhos turbulentos" (Soren Kierkegaard. In: The Concept of Irony).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sem ilusões



Não, não pensem que existe um outro mundo! Pensem nas suas possibilidades aqui e agora! Reconheçam o valor deste mundo, pois só há este e ele é cruel, cheio de tragédias diárias. Ligue a TV e verás que “eles” só falam da violência, de sangue e mortes. Isto dá audiência! A morte dá audiência, muito mais até do que a vida! Ficamos ali à frente do aparelho (de controle), muitas vezes chorando, com pena e pensando o quanto é bom estar vivo. “Antes ele do que eu?” Mas, até quando?
Nos últimos dias, tanto a Tv quanto os jornais impressos e a internet vem noticiando as nossas tragédias líderes de audiência do momento. A Tragédia de Angra - na qual deslizamentos de terra causaram dezenas de mortes na madrugada do dia 1º de janeiro – foi disputada pelos canais de televisão exaustiamente. Quem tivesse o melhor depoimento, a melhor foto, o melhor texto (tem que ser uma novelinha, senão não emociona) levaria a audiência. Quem ganhou? Não sei!! Ou melhor, será que temos um vencedor numa situação dessas? Só sei que quando achávamos que o pior já havia acontecido neste ano novo, veio um terremoto no Haiti para nos fazer esquecer dos mortos do Rio de Janeiro. Agora são os pobres haitianos que estão na mídia, que estão na mira. São eles que alavancam a audiência dos canais televisivos, sites na internet e nos fazem refletir sobre a vida, o viver.
Ah, mas você pode me dizer que não assiste TV, tudo bem, seu vizinho, sua namorada, sua empregada, seu pai ou qualquer outro lhe contará tudo e, com detalhes. Você saberá que foi um terremoto de magnitude 7 na escala Richter que atingiu o Haiti no último dia 12 e que ele é o mais forte a atingir o país nos últimos 200 anos. O número de mortos não é conhecido com precisão, embora fontes noticiosas afirmem que pode chegar aos 200 mil, e o número de desabrigados pode chegar aos três milhões. Mas, será que o país mais pobre do hemisfério ocidental, com 80% de sua população vivendo em extrema pobreza, com menos de US$ 2 por dia, está passando pelo seu pior momento?
Um dado positivo: O Haiti foi a primeira república negra do mundo a declarar sua independência. Que bom!! Mas, não nos esqueçamos que 45,2% da população é analfabeta; a expectativa de vida é de apenas 60,9 anos; possui mais de 300 mil crianças órfãs; dois terços dos haitianos dependem do setor agrícola e são vulneráveis aos danos ocasionados por desastres naturais, agravados pelo desmatamento; o governo haitiano depende de ajuda internacional para seu sustento fiscal; o narcotráfico corrompeu o sistema judicial e as forças policiais; durante décadas, o Haiti viveu sob o poder dos governos brutais de François "Papa Doc" Duvalier e seu filho, Jean-Claude, conhecido como "Baby Doc"; o Haiti prossegue afetado por confrontos violentos entre gangues e grupos políticos rivais. Tudo isso levou a ONU a classificar a situação de direitos humanos como catastrófica. Cansou? Espero que não, porque em 2008, o Haiti foi atingido por uma série de tempestades e furações que deixaram cerca de mil mortos, mais de 800 mil pessoas desabrigadas e causaram prejuízos de mais de US$ 1 bilhão. O país também importa a maior parte da comida que consome o que fez com se tornasse um dos países mais atingidos pela crise alimentar causada pela alta nos preços dos alimentos...
Eu poderia ficar anos aqui mostrando a todos o quanto o Haiti é um país acostumado às tragédias, o quanto aquele povo sofre e o quanto ainda sofrerão. Entretanto, “contra fatos não há argumentos”, e o que nos resta é acreditar (sem ilusões) que no lugar daqueles escombros serão levantadas escolas, igrejas, casas... O que nos resta é acreditar (sem ilusões) que as toneladas de alimento que se encontram em galpões improvisados serão distribuídas a tempo, antes que a fome faça sua parte neste teatro de horrores. O que nos resta é acreditar (sem ilusões) que ainda há sobreviventes.
O que nos resta fazer????

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